(ilustração de Boyoun Kim)
A bicicleta
Quando monto
na minha bicicleta
Sinto o
vento,
Os cabelos
atrás de mim,
as pernas em
movimento.
Sinto o
matraquear da calçada não adequada a tais devaneios.
Vejo os
rostos preocupados.
Crispados,
de
pensamentos pesados e velados, alheios.
As lojas vazias.
Os semáforos
tristes e sem graça.
Os carros
atarefados.
Alguns
corpos suspensos e parados claramente sem saber para onde ir.
As
esplanadas no meio do fumo.
Os passeios
sujos.
As conversas
sobre futebol.
Muita gente
de auriculares a olhar para o chão.
Muita gente
de fato com pasta,
Muita gente
de fato sem pasta.
A empregada
que insiste.
O talho que
insiste.
Uma paisagem
que não chega a ser triste.
Porque na
verdade,
Na verdade,
Eu estou a
caminhar sobre uma nuvem.
Eu estou a
sobrevoar o oceano.
Eu estou a
rasgar o vento por entre os picos do Evereste.
Na verdade
se eu olhar bem:
Vejo o
sorriso misterioso de quem acabou de amar a noite inteira;
Vejo a
criança que se cola à mãe agradecida por esta lhe dedicar uma manhã inteira;
Vejo o
merceeiro de bata que nos lembra que há um comércio justo por inteiro;
Vejo a nova
loja verde que pendura manequins de outros tempos na varanda e onde todos
querem ir.
Vejo o bar
onde se ouve música bonita,
por entre
duas cervejas e cerejas de conversas.
À noite vou
lá,
e levo esta
bicicleta.
Vejo os namorados
que acabaram de se descobrir e que entre tremeliques deram as mãos.
Vejo a
esperança de quem se dirige para uma nova entrevista de emprego.
Vejo quem
acabou de conseguir um emprego com o ordenado mínimo e esboça um sorriso, mesmo
que amarelo.
Vejo a
recente mãe que passeia o bebé,
a pensar que
provavelmente já perdeu o emprego.
Vejo o céu e
os fios das nuvens de outono por entre as copas das árvores.
Vejo as
pessoas que também estão a andar de bicicleta como eu.
Bom Dia!
Bom Dia!
Pressinto
pela maresia o mar bem perto.
Uma paisagem
a céu aberto.
E sinto a
brisa e sinto os cabelos e o vento atrás de mim.
Neste país
sempre à espera.
Neste país
agarrado a uma vã quimera,
onde tanta
gente desespera.
Um país que
continua sem perceber
para que
lado pedalar.
Ana
Salgueiro, 22 de Setembro de 2015 – A bicicleta