Ana Salgueiro Teatro - Aveiro

domingo, 22 de novembro de 2015

Em busca do filho perdido - Efémero 1995






Estas são as fotos de teste para o cartaz da primeira peça para a infância da Efémero - Companhia de Teatro de Aveiro, 'Em Busca do Filho Perdido' (1995 ? - 20 anos?) que o amigo e fotógrafo Manuel Teixeira me deu há algum tempo.

Lembro-me bem deste dia no estúdio dele. Lembro-me que fazia de mãe e de filho. Lembro-me que o querido João Brás era o Jô Tascão, meu pai e que o 'mau da fita' era o  'Palavras Fáceis' interpretado pelo Mário Montenegro. A peça era do fantástico louco José Geraldo.

Lembro-me que estava a acabar o mestrado em Coimbra nesta altura e que logo depois tomei a decisão de sair da Companhia.

Mas nunca me fui embora.

Esta conjugação de forças faz parte em mim. Apesar de haver alturas loucas como esta, em que a exigência está levada ao máximo em várias frentes de batalha, não desisto. É assim que eu vivo.

Gosto de ter o Teatro sempre por perto. Uma bússula que me indica o norte.
Que me dá a adrenalina e o estímulo para tudo o resto.

Sempre.

E sobretudo os outros, o que aprendo com eles, o brilho dos olhos deles a refletir novas viagens.
E o que isso alegra os que estão ao meu redor.
São coisas que me fazem feliz.


E aqui vão estas fotos, arrancadas ao fundo da gaveta, partilhadas, para me lembrar do que foi, do que é e do que será.

Uma questão de equilíbrio e de eterna brincadeira.



















terça-feira, 10 de novembro de 2015

Nothing happens by accident.

Escrevi isto no ar, entre Paris e o Porto, há umas três semanas, inspirada pelas amizades que encontramos em toda a parte, como foi o caso de reencontrar a Nandini, amiga indiana que vive no Reino Unido, na mesma mesa de jantar - à semelhança do ano passado - e por haver uma empatia instantânea entre nós.
Simpáticamente convidou-me para um clube de leitura e escrita no facebook, práticamente constituído só por indianos. Uma honra e um deleite observar a sua imensa cultura.
No jantar falámos de ... gostar de escrever. Ela perguntou se eu escrevia em inglês.
Eu disse que não mas que ia pensar nisso. E assim fiz. Já o partilhei no tal clube de leitura e escrita.
E foi assim: olhando pela janela e arranhando o meu inglês, pensei: há algumas certezas nesta vida. Foquei-me nestas três:
Somos um pequeno floco de nuvem, só fazemos sentido ao lado de outros flocos e nada acontece por acidente. Nothing happens by accident. Logo abaixo das nuvens está o poema.



Nothing happens by accident
Neither the trees nor the sea
What you can grab in your hand for a moment
That is the most beautiful thing you can see.
There are hands that cross each other
With the same way to see the world
And although we are sister and brother
What really is keeping us (or not) is the word.
Nothing happens by accident
Even if you stay a thousand kilometers high and away
What you can grab in your hand for a moment
That should be the beauty to lead your way.
In everywhere you find friends
With the same way to see the world
In every corner a friendly face
Ready to write with you the story untold.
Nothing happens by accident
Neither the journey nor the wish to stay
Nothing is the same in a new moment
Day or night and night or day.
Sometimes a big huge sadness
Is flying over the things you lost in your way
But there is always a way to avoid emptiness
If in your happy feelings choose to stay.
Nothing happens by accident
Neither the dinner nor the play
Because if you are always inside the moment
You can live longer
Yes you can, yes you may.
Sometimes nothing comes to your memory
Sometimes you feel empty in some way
But in the next moment you are telling a story
And the light of your head is there again

Ready to lead your way!

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Dança - Guetto Kids

Dança, expressão que conjuga outras expressões, tão antiga como o homem e por isso tão completa, mente e corpo em ebulição.

Estes Guetto Kids são fabulosos e é fabulosa a dança os torna pequenos reis e rainhas, tal é a intensidade da luz que elevam acima da pobreza.  De que pobreza estamos a falar afinal?

Se estamos a falar do corpo-memória, da imaginação pura e das viagens que a junção entre os dois nos permitem, independentemente da nossa raça ou credo, então eles são ricos.

Fazia-nos bem regressar de vez em quando a uma pureza contida dentro das barreiras da nossa racionalidade e que aguarda uma oportunidade para se expressar.

Por isso partilho esta descoberta.

Retrata bem a pureza da expressão, esse nosso eterno bloqueio.


Dança Africa1

Dança Africa2

Dança Africa3

Dança Africa4


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Teatro coração, coração teatro.

O teatro cola-se à pele como um fungo e o que imagino dentro dele torna-se um motor para tudo o resto.

Esta foto é do cartaz da primeira peça da Efémero - Companhia de Teatro de Aveiro - 1995
em que eu fazia de 'Senhora Frank' com o meu bom amigo João Brás, Senhor Frank, numa encenação de Carlos Fragateiro.

A possibilidade de ser outros, sendo o mesmo - aliás já o disse - é viciante como água com limão e hortelã, gelada, no verão. Fica para sempre.

A possibilidade de continuar a fazer coisas novas dentro do teatro, novos trabalhos, fazer, fazer, fazer, em conjunto com outros, com um grupo, onde cada um se redescobre individualmente e coletivamente é como uma brisa suave que tudo empurra para a frente.

Cada novo ano, cada novo grupo, mais uma viagem. Vamos lá então!




quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A bicicleta - 22 de Setembro de 2015


(ilustração de Boyoun Kim)


A bicicleta 

Quando monto na minha bicicleta
Sinto o vento,
Os cabelos atrás de mim,
as pernas em movimento.
Sinto o matraquear da calçada não adequada a tais devaneios.
Vejo os rostos preocupados.
Crispados,
de pensamentos pesados e velados, alheios.
As lojas vazias.
Os semáforos tristes e sem graça.
Os carros atarefados.
Alguns corpos suspensos e parados claramente sem saber para onde ir.
As esplanadas no meio do fumo.
Os passeios sujos.
As conversas sobre futebol.
Muita gente de auriculares a olhar para o chão.
Muita gente de fato com pasta,
Muita gente de fato sem pasta.
A empregada que insiste.
O talho que insiste.
Uma paisagem que não chega a ser triste.
Porque na verdade,
Na verdade,
Eu estou a caminhar sobre uma nuvem.
Eu estou a sobrevoar o oceano.
Eu estou a rasgar o vento por entre os picos do Evereste.
Na verdade se eu olhar bem:
Vejo o sorriso misterioso de quem acabou de amar a noite inteira;
Vejo a criança que se cola à mãe agradecida por esta lhe dedicar uma manhã inteira;
Vejo o merceeiro de bata que nos lembra que há um comércio justo por inteiro;
Vejo a nova loja verde que pendura manequins de outros tempos na varanda e onde todos querem ir.
Vejo o bar onde se ouve música bonita,
por entre duas cervejas e cerejas de conversas.
À noite vou lá,
e levo esta bicicleta.
Vejo os namorados que acabaram de se descobrir e que entre tremeliques deram as mãos.
Vejo a esperança de quem se dirige para uma nova entrevista de emprego.
Vejo quem acabou de conseguir um emprego com o ordenado mínimo e esboça um sorriso, mesmo que amarelo.
Vejo a recente mãe que passeia o bebé,
a pensar que provavelmente já perdeu o emprego.
Vejo o céu e os fios das nuvens de outono por entre as copas das árvores.
Vejo as pessoas que também estão a andar de bicicleta como eu.
Bom Dia!
Bom Dia!
Pressinto pela maresia o mar bem perto.
Uma paisagem a céu aberto.
E sinto a brisa e sinto os cabelos e o vento atrás de mim.
Neste país sempre à espera.
Neste país agarrado a uma vã quimera,
onde tanta gente desespera.
Um país que continua sem perceber
para que lado pedalar.


Ana Salgueiro, 22 de Setembro de 2015 – A bicicleta

domingo, 4 de outubro de 2015

PORTUGAL SLAM 2015 Lisboa

Foi um privilégio participar nisto, no meio de tantos especialistas fantásticos e experientes na matéria.

Não que isso seja importante mas porque muitos perguntam fica aqui o esclarecimento.
Éramos 10, fiquei nos 5 que não passaram à fase seguinte com uma pontuação rondando a média de 7,5 (quando nos pontuam a pontuação mais baixa e a mais alta não contam, eram cinco elementoas no júri creio). Nas palmas creio que foi 8,2. Mas não chegou para satisfazer o júri nem para avançar.

Seja como for adorei, simplesmente!

Deu-me um gozo imenso, estar ali, a matar a sede de palco. E abriu uma vontade imensa de continuar e fazer mais e melhor.

Tinha preparados mais dois poemas. É sempre difícil decidir qual devemos ler primeiro, afinal é um jogo. Ficamos sempre com a sensação que podemos não ter escolhido bem. Mas a vida é demasiado curta para este tipo de penas :)

Assim, o único poema que li nesta prova foi dito na primeira eliminatória de Aveiro. Aqui fica.

Mais abaixo as fotos da minha representação e aqui o link para todas as fotos do evento.

(Fotos do Portugal Slam 2015).

Mas mais importante ainda foi fazer novos amigos e conhecidos.

O Ator

Eu também sou poeta…
Disse o ator, com o olhar perdido, atirado para o fundo da sala…
Com o livro na mão direita…
Com o braço esquerdo a cirandar pelo ar….
Eu também sou poeta…continuava ele, o corpo retesado. 
Eu também sou poeta, ouviram? 
…………………………………………………………….
E o ator não reagia ao silêncio nem ao silvo dos pensamentos dos outros. 
Com um torpor ténue, ficava ali quieto, segurando o momento.
‘Tremu-luzente’ (uma mistura entre o trémulo e o que deita luz), 
Os olhos rasgados de dor e desejo.
Eu também sou poeta…dizia….
O actor sente instantaneamente uma dor intensa se for preciso.
Sente no presente uma dor quente se for preciso.
O actor sente e o olhar turva-se.
Pois claro que é poeta.
Eu também sou poeta dizia o actor….…
Ninguém dizia nada.
Ninguém dizia, ninguém na verdade sentia o que o actor sentia.
Eu também sou poeta, dizia ele e rangia os dentes, reluzentes…
Com vontade de comer esfregões da loiça…ou de ter alguém que o ouça. 
De repente a corda imaginária que o segurava partiu-se com um barulho seco….pac…
E ele caiu de joelhos.
Eu também sou poeta, dizia o actor
E gritava sem se cansar….
Eu também sou poeta….E o seu corpo rimava…
Coelho com joelho
Romã com maçã
Janeiro com primeiro
Situação com coração….
Cantava cantigas de amigo…Estrofes secas…como o trigo
Agitava os braços no ar….a querer ser dramático….
Mas sem perder o sentido prático…
Porque o actor sente instantaneamente uma dor intensa se for preciso.
Sente no presente uma dor quente se for preciso.
O actor fecha os olhos e grita
Aaaahhhhhhhhhhhhhhh
Eu também sou poeta….
Alguns braços surgem para o levantar do chão…
E ele sacode-os….deixem-me em paz porque eu também sou poeta e 
hei-de levantar-me do chão.
Eu vim aqui para ser poeta…..
Eu também sou poeta…

Aperta o livro contra o peito......baixa a voz e os olhos e sai de cena. 









sábado, 3 de outubro de 2015

Aveiro, cidade de todas as artes e saberes (mas parece ser ainda um segredo)

Rui Oliveira, Micaela Ribau Vaz, Espiral, Joaquim Pavão, emmy curl, Moonshiners, Souq, Lazy Lizard, Strange Coats, The Underdogs, Silent Preacher, Patinho Feio. E sei que faltam muitos. Artistas com criações originais, gente que nasceu em Aveiro ou que escolheu Aveiro. Depois podiam pôr um Pensador com um Zambujo num dos palcos só para a maioria sair agradada e os organizadores não correrem demasiados riscos. Seria um festival muito interessante, com vários palcos temáticos ...por tipo de música.
Poderia existir um palco novos talentos, para alunos dos cursos de música da universidade, ou para pequenas bandas de gente nova que fazem 'covers' com grande estilo. Outro palco para sessões de dança de vários tipos e de teatro, pois é grande a oferta de escolas, de grupos e de formadores destes géneros. Novos encenadores como o Bruno Dos Reis.
Há também uma Fábrica Centro Ciência Viva, que cumprindo o legado do Mariano, realiza sessões muito interessantes que despertam nos jovens o interesse pela beleza da ciência.
Eventos e atividades ligadas à bicicleta.
A escola de Design da Universidade produz também, todos os anos, 'designers' conceituados e premiados a nível internacional e que poderiam acrescentar um toque especial à imagem do evento.
Há também grandes artistas plásticos (como o João Fino, incontornável) que se preparam para grandes exposições e que enobrecem o legado de Aveiro nas artes plásticas.

Bares, cafetarias e restaurantes de fina, nova e/ou típica gastronomia, que seriam chamados para animar umas barraquinhas de comes e bebes, diferentes.
Vendas de artesanato da região ou de novo comércio de grande bom gosto e que insiste, contra todas as marés.
Não consigo enunciar todos os nomes, são muitos.
Uma tenda especial sobre visões de futuro para a cidade.
Algo assim parecido, é que seria um festival de 'Promoção dos valores e das mais valias da cidade'.
Um festival dinamizador do conhecimento, das artes e da economia da região.
É só preciso vontade, inteligência e o mesmo dinheiro que é gasto noutras coisas que duvido que sejam sobre a 'Promoção dos valores e das mais valias da cidade.

domingo, 27 de setembro de 2015

SLAM Portugal 2015



Uma experiência que surgiu quase por acaso.

E depois a final e depois aconteceu ter de estar ali.

Ainda estou a digerir tudo o que vi, ouvi e sobretudo senti.

Uma coisa é certa: quero mais - tal como acontece com tudo o que é bom.

Quer aprender mais, sobretudo.

Preciso deste alimento para a sobrevivência através dos dias mais cinzentos. Nos dias de sol também cai bem.

Ana Salgueiro











terça-feira, 16 de junho de 2015

Poesia

Quando pequena escrevia muito mas não me lembro do que escrevia.
Não guardei registos ou cadernos.
Mas lembro-me de a minha professora de português dizer ao António Torrado quando ele foi lá à escola (a Francisco Arruda): esta miúda escreve bem. Gosto muito dessa memória, claro.

Quando adolescente escrevi bastantes textos a que chamava poesia. Não creio que fosse, não estudei literatura ou português. Mas ainda os guardo, ali num caderninho. 

Ainda gosto muito de alguns deles.

Fui escrevendo, sempre com gosto, em todas as ocasiões, tendo sempre de me conter nos textos mais científicos e sendo criticada por ser demasiado literária. No entanto, por vezes dá jeito para justificar convenientemente alguns argumentos.
Seja como for lá aprendi a ser seca quando necessário, na ciência e na vida.

Mesmo assim não foi possível prender o desejo de criar outros mundos através da escrita, em peças de teatro. 

Depois torna-se um bichinho, mais insidioso que o teatro.

Recentemente, foi a Telma Feio do biscoito que me fez o convite para o Poetry Slam Aveiro 
Ganhei uma eliminatória e depois a final sempre por um triz, dada a elevada qualidade dos outros participantes. A Raquel Bontempo e a Rita Capucho também deram sempre um excelente incentivo, e amizade. E foi bom conhecer a fantástica Raquel Lima. Obrigada. 

E agora tenho de ir a Lisboa ao Poetry Slam Portugal. Ai, ai.

Claro que não vale a pena explicar o prazer que isso me dá e a vontade que me traz de ser melhor e de escrever sempre melhor. 

E a honra que é receber convites para ir ler poesia de outros, como aconteceu com o João Mocho

A poesia sem ser canção também é uma arma. Que nos ensina mais sobre nós próprios e sobre os outros e que pode também fazer ouvir a voz que quer falar do que está menos bem neste mundo. 
















quinta-feira, 23 de abril de 2015

O Livro 'O Rapaz Bicicleta'


Tenho outros, mas este é um importante combustível para a força que é necessária para tudo o resto.

Inventar e contar histórias e se for possível encená-las (adoro).

Este livro não é só para a infância como não são muito dos atuais livros que são supostamente para a infância. Têm muito de adulto que só adulto vê e sabe ;)

Aveiro tem uma livraria espetacular nessa matéria, a Gigões&Anantes.
É de ir e de visitar.

Foi um prazer fazer este e quero fazer mais. A Cláudia Alexandrino e a Maria Pinho ilustraram e o CETA recebeu a encenação, na qual participou uma mão cheia de gente bonita de que já falei noutro post, sobre O RAPAZ BICICLETA NO CETA.

Uma das coisas bonitas da vida, pelo menos da minha, que motivou e está a motivar, outras. Desta vez não há rapazes bicicleta, mas há .........










terça-feira, 14 de abril de 2015

Contar histórias com o Arteriso

Ao simpático convite dos queridos amigos da associação Arteriso, lá fui eu, contar duas historietas.

Uma ainda por acabar, cujos próximos episódios ainda estão na forja.

Para a outra, andei à procura de histórias sobre Aveiro.

Mas histórias que fossem lendas, como aquela do rei que mandou vir a princesa meia despida meia vestida.

Encontrei esta e achei bonita. Acaba em lágrimas que se transformam em beleza. Como assim o devemos na vida, à vida.

Ninguém sabe quem escreveu, conta-se, disse-me uma velhinha, etc.

Não me lembrei de todos os detalhes ao contá-la, mas fiquei a pensar: ficaria bem no teatro.

Um destes dias.

Aqui ficam mais fotos dessa sessão, cheia de gente bonita e belos contadores de estórias e outras mentiras.

Contadores de estórias do Arteriso - 2ª sessão

A Lenda do Barco Moliceiro da Ria de Aveiro

"...Há muitos, muitos anos - nem a velhinha que me contou, quando eu era menina, sabia quantos, - um pescador da Ria de Aveiro ouviu uma mulher a cantar e logo se apaixonou por ela só pela beleza da sua voz. Chamava-se Ramiro e era órfão de pai e mãe, tendo sido criado pela madrinha, uma solteirona bastante feia, baixa e gorda, de forte buço, que nunca encontrara quem gostasse dela para casar, embora tivesse um coração de pomba, terno e doce.
Ramiro vogava pelas águas espelhadas da Ria e foi guiando o barco para o sítio de onde vinha aquele doce cantar, deparando com uma jovem que se banhava, como se estivesse de pé, pois só se lhe via o corpo da cintura para cima, sem qualquer peça de roupa. Ela não fugiu nem parou de cantar, enquanto o pescador se aproximava. Ao vê-lo junto a si, sorriu-lhe e estendeu-lhe a mão, que Ramiro agarrou entre as suas, ao mesmo tempo que o coração acelerava os seus batimentos.
Era bela como uma princesa, com longa cabeleira de algas caindo-lhe pelas costas e torneando-lhe os peitos fartos e erectos. A sedosa pele era da alvura da areia da praia e os olhos tinham a cor verde do mar sem fundo. Os braços, compridos e esguios, terminavam em mãos de dedos finos, que iam movendo a água em seu redor, em gestos serenos e calmos, como se a afagasse.
Conversaram longamente e então ele disse-lhe:
- Amo-te e quero casar-me contigo!
A jovem sorriu e respondeu:
- Seria para mim uma grande felicidade casar-me contigo, pois nunca vi um homem mais belo e mais forte do que tu, mas, infelizmente, não pode ser. Eu não sou uma mulher, mas uma sereia.
Soltou a mão que o pescador tinha agarrada e deitando-se de costas na água, mostrou-lhe como a parte inferior do seu corpo tinha a forma de peixe, com cauda e escamas douradas, rebrilhando ao Sol.
- Sou a filha mais nova do Rei dos Mares e estou destinada a um Tritão, que me fará infeliz, porque não lhe tenho amor - continuou, começando a chorar e as lágrimas eram pérolas pequeninas, que ficavam a boiar, à sua volta.
- Não me importo que não sejas mulher - retorquiu ele. - Casa comigo e construirei para nós uma casa, metade em terra, para mim, e metade na Ria, para ti.
- Isso não pode ser! - insistiu ela. - O Tritão matava-me, porque é muito mau e feroz. Se eu pudesse transformar-me em mulher, então, sim, poderia casar contigo, mas nós sabemos que tal nunca será possível.
Estava muito triste agora a bela sereia. Atirou-lhe um beijo na ponta dos dedos, mergulhou e desapareceu.
Ramiro, antes de lançar a rede para pescar, ia todos os dias ao local onde tinha visto a sua amada, mas ela não tornou a aparecer. Assim, na sua faina diária, ora suspirava, ora cantava umas trovas tristes, que ele compunha na altura. Era o peixe que lhe dava o sustento para si e para a madrinha. Por vezes, ao cair do Sol, quando puxava a rede, julgava ver reflectida na água o rosto querido da bela sereia.
A madrinha, conhecedora daquele sofrimento e querendo-lhe como se seu filho fora, disse-lhe um dia:
- Devias ir à ti Bárb'ra, que é mulher de ciência. Talvez ela saiba uma maneira de transformar a tua sereia em mulher. Eu gostava muito de te ver feliz...
- Vou, sim, madrinha - respondeu o rapaz. - Por ela eu farei tudo!
- Então, tens de ir sozinho e de noite, que ela só tem poderes depois de se pôr o Sol.
Assim, ao morrer a tarde de um certo dia, ele meteu pés ao caminho, andando muito tempo sobre as dunas, até chegar a uma choupana sobranceira ao mar. O vento forte empurrava-o para trás e ele fazia um esforço redobrado para continuar a caminhar; terríveis relâmpagos cortavam o céu no escuro da noite, obrigando-o a fechar os olhos para não ficar cego; tenebrosos trovões faziam tremer a terra e a chuva era tanta, que lhe parecia que os próprios ossos estavam encharcados. Cheio de coragem, indiferente à adversidade da Natureza, bateu à porta da choupana, gritando:
- Ti Bárb'ra! Ó ti Bárb'ra!
Daí a pouco a porta abriu-se e Ramiro viu uma velha toda vestida de negro e com uma vela na mão, cuja chama tremulava com a ventania cá de fora.
- Entra, filho! - disse ela, com uma voz que lembrava uma gaita desafinada. - Eu sabia que vinhas.
Apesar de valente como poucos lá da terra, Ramiro hesitou por um instante, perante aquela figura sinistra, que mais parecia já não ser deste mundo, de faces cor de terra, um lenço preto à volta da cabeça, de onde caíam umas farripas de cabelo completamente branco, nariz afilado como uma faca, curvo como o bico do mocho, e uns olhos pequeninos, encovados, escondidos num montão de pregas da pela toda engelhada.
- Entra, filho! Não tenhas medo! - insistiu a velha.
Lá dentro havia uma fogueira e uma panela de barro sobre uma trempe, de onde saía um vapor que se desfazia no ar. As paredes de madeira davam a impressão de estar dançando com o reflexo das labaredas. Ao fim de algum tempo, começou a perceber que havia uma mesa no meio da choupana e que três gatos pretos dormiam ao pé do lume, aquecendo-se no braseiro.
- Ti Bárb'ra, eu venho cá por causa de - começou Ramiro.
- Não precisas de contar, meu filho, que eu sei tudo! Senta-te aqui à mesa!
Lá fora, o temporal continuava. A chuva e o vento faziam abanar a cabana, como se a quisessem derrubar. Sentaram-se à mesa, em bancos de madeira, um de cada lado, de modo que ficaram frente a frente. Ramiro viu então uma caveira sobre a mesa e teve um sobressalto.
- Não te assustes, meu filho! - tornou a velha. - É nisto que se transformam as belezas do mundo, os bons e os malvados, os ricos e os pobres. Eu sei que gostarias de ver a tua sereia transformada em mulher. Vou-te dizer o que tens de fazer. Não é difícil, mas desde já te aviso: o que vais fazer só pode ser feito uma vez; se correr bem, a tua amada sairá das profundezas das águas em forma de mulher e assim permanecerá para sempre; se correr mal, nunca mais a verás, nem mesmo sob a forma de sereia.
- Estou disposto a tentar seja o que for - assegurou Ramiro.
Então, a velha explicou tudo, tim-tim por tim-tim:
- Primeiro, vais construir uma casa de madeira, na duna, no sítio que chamam Costa Nova, pintando-a às riscas da cor que mais gostares, alternando com branco, por causa do mau-olhado; depois, vais pescar a Lua Cheia.
- Pescar a Lua Cheia? - perguntou ele, incrédulo.
- Foi isso mesmo que eu disse - continuou a velha. - Metes-te no barco numa noite de Lua Cheia, vais vogando até onde vires o astro reflectido na água. Aí, paras e lançando a rede, puxa-la devagar, de modo que traga a Lua inteira lá dentro. Então, só tens que ir até à casa nova e atirar a rede para o seu interior e logo verás a mulher que foi sereia a sair da água e a entrar em casa. Pode parecer que é tudo fácil, assim, mas o grande problema é que nem a Lua te pode ver nem pode haver o menor ruído até que chegues a casa com a Lua dentro da rede. Não te esqueças! Ao mais pequeno barulho, estará tudo perdido. Ah! ainda uma outra coisa: não podes contar isto a ninguém, nem mesmo à tua madrinha. Para te não esqueceres de nada, repete lá tudo até haveres decorado todos os passos a seguir!
Três meses levou a fazer a casa e a preparar o moliceiro, pondo na parte superior da proa um acrescento em forma de quarto crescente, o qual, cobrindo-o, não deixaria que a Lua o visse. Numa noite de Lua Cheia, meteu-se no barco, foi até onde se via a Lua toda reflectida na água, atirou com cuidado a rede em toda a sua volta e foi puxando, vendo com satisfação que a bola branca vinha dentro dela. Seguiu então na direcção da casa que fizera, aproou na areia e saltou para terra, sempre com a rede fechada na mão e a bola luminosa lá dentro aprisionada. Foi então que o silêncio foi quebrado, porque uma gaivota que dormia na praia ia sendo pisada por Ramiro e levantou voo a grasnar, cheia de medo. Quando o grito da ave atravessou o silêncio da noite, a bola branca desapareceu de dentro da rede e tudo ficou perdido.
O pescador tornou ao barco, navegou até umas covas que havia do outro lado da ria, saltou em terra, deitou-se no chão e chorou mil dias e mil noites sem parar.
As lágrimas foram tantas, que encheram as covas e o Sol, secando a água, deixou-as cheias de sal.
Tudo isto se passou há muitos, muitos anos, mas ainda hoje se podem ver as salinas, que são o sal das lágrimas que Ramiro chorou, tal como muitas casas que depois fizeram na Costa Nova e, porque gostaram da que ele tinha feito, lhe seguiram a traça. O moliceiro, esse, continua a apresentar aquela proa em forma de quarto crescente..."







domingo, 22 de fevereiro de 2015

Obrigada CETA pelo que 'Aconteceu neste palco'

Por ocasião do aniversário dos 56 anos do CETA (comemorados com pompa e circunstância ontem) fui convidada para uma palestra sobre o palco, juntamente com o Jorge Fraga, o Joaquim Vargas e o Zeca Fino, que aceitei com muita honra. Para falar sobre histórias de palco.

São muitas as histórias sobre aquele palco, muitas venturas, muitas aventuras.
Peguei nas que são a minha memória mais direta porque são peças que encenei, cujos textos escrevi ou nelas participei. Escrevi à pressão, duas horas antes da sessão, este texto, olhando para a cronologia para não me esquecer de nada.

É uma rima torta, mas que saiu direta do coração. Isso é certo. Relembrando todos os bons momentos. E é só isso que importa e importará sempre.

Obrigada Ceta.

Aqui vai:

Aconteceu neste palco…

Aconteceu neste palco, não começa bem,
Pois não me lembro de nada que rime com palco.
Talvez pó-de-talco, mas isso é coisa que este palco, não tem.

Aconteceu aqui atrás deste pano, talvez fique melhor
Olha, aconteceu o Papiniano, menino que tinha um plano
E que da sereia, se perdeu de amor.
O Vargas lá estava para conduzir a cena,
Amigos do catano, amigos que valem a pena,
Acontecem sempre neste palco, ano após ano.
Às vezes toda a semena.

E quando Roubaram a lua? O mestre agulhas, a ria sem sal,
O Arlindo, o Lau, o Romeu, a Filipa, a Paula, o Artur, o Vargas, o Camilo, a Teresa, a lista é interminável, eram tantos, todos a marchar, desculpem, vou parar,
Mas todos foram de um brio tal, todos foram de tanto esforçar,
Que até para lá dos mares, na ilha do sal,
Desta gente se deve ter ouvido falar.

Por esta ocasião nasceu o Manelinho, 
grande inspiração para o resto do meu caminho.

Depois veio a Tricana, deusa de aço
Navegando através do espaço,
A Patrícia e o Mané
Sem perderem o pé
Atravessando a ria, mas não a nado,
Vinham na sua nave espacial
E ninguém lhes levou a mal.
Pois vinham para conhecer as gentes do passado.
Ah isso foi espantanífico, pois saiam todos de dentro de um frigorífico!!
O Arlindo e o Lau,
Improvisavam sempre a cena em que assavam mesmo o bacalhau!
Não ficava muito mal,
Mas era o desespero do Samy
Que é um grande profissional.

Enfim, o tempo foi passando, um dia de cada vez,
E depois vieram todos outra vez
Eu tu ele nós vós eles,
Todos num quarto dos anos 70, todos a cantar
São dois braços, são dois braços, servem para dar um abraço....
Até o Sérgio Godinho veio depois visitar este povinho.
Foi por essa altura, que nasceu o Pedrinho.

Depois para a Agustina não ficar triste
Reinventou-se-lhe a felicidade,
E não mais a Agustina teve de penar.
Canta Agustina canta,
Canta que o homem do Balon, um dia, vem-te buscar.

O Polegarzinho era pequenininho,
Alguns queriam fazer-lhe mal,
Mas ele sempre se escapava,
Porque era um espertinho tal
Que nunca ninguém sabia bem onde ele estava.
O Morais assustava os meninos,
Com os seu passos de gigante.
Mas tinha farfalhudas sobrancelhas,
E de um grande actor, o semblante.

Depois vieram as Mulheres.
Ai as mulheres, ai o mulherio!
Se perguntarem ao Samy,
Certamente ele dirá que a melhor parte,
Foi tirara-nos uma fotografia às costas
Com toda a sua arte.

Depois o Diabo veio cá fazer das suas
Pedimo-lo emprestado ao Castrim.
E como era um Diabo de luas, um pouco assim-assim,
Para o fazer não foi preciso uma pessoa
Mas sim duas.
O Morais e a Cláudia deram o corpo ao manifesto e meteram dentro do cesto, um montão de almas perdidas e nuas.

O Rapaz Bicicleta chegou a pedalar.
Não era de Roma nem de Pavia
Era o Zé 'de' Albergaria!
Encontrou o seu amor,
Montou a sua máquina
E pôs-se a andar.
Adeus, até um dia!

É tudo verdade isto, tudo verdade,
Porque aqui neste teatro, seja de noite ou de tarde
Não vale a pena mentir, não vale a pena ficar gaga.
Porque aqui se não se ganha, não se paga.

Depois o Incrível Rapaz Bicicleta
Sonhou com gente a cantar
O Mané, a Catherine, a Ana, o Carlos, o Arlindo, o Sergio, o Maricato, a Fátima.
Tinham uma vontade incrível de partir para o alto mar
Dar a volta ao mundo
Ir a cima, ir ao fundo
E navegar, navegar.

Nem de todos aqui falei, porque senão não me calava.
Mas é bom partilhar com tantos, que são muito mais que quatro,
Tanta força brava, Tanto amor ao teatro

Finalmente o Rapaz acordou para a vida neste palco de tábuas lisas e escuras
Respirou fundo, perdeu as tremuras,
Sentiu-lhe a vibração
Estou no CETA caramba, bate-me o coração!
Viva o teatro, vamos passar à ação!

(E três vivas para a nova direção!)


Foto do Samy, na peça 'Não se Ganha não se Paga' de Dario Fo, encenada pelo Jorge Fraga (CETA - 2013)
Na foto eu e a Cláudia Alexandrino.



domingo, 25 de janeiro de 2015

João Pestana dos Sete Instrumentos - 2003

Uma aventura de outros tempos!

Eu e o ZéTó Rodrigues numa adaptação do conto João Pestana escrito em 1841 por Hans Christian Andersen.

Eu fiz a adaptação e dramatização da história, acrescentando algumas coisas, músicas conhecidas e fáceis de cantar ou músicas ´ró´ musicadas pelo ZéTó a partir das letras das canções da pequena peça. 


Ele tocava e eu cantarolava (desafinava).

E lá fomos nós de escola em escola representar para os meninos. 


Belos tempos, ainda hei-de colocar mais fotos que as tenho algures.