Ana Salgueiro Teatro - Aveiro

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A bicicleta - 22 de Setembro de 2015


(ilustração de Boyoun Kim)


A bicicleta 

Quando monto na minha bicicleta
Sinto o vento,
Os cabelos atrás de mim,
as pernas em movimento.
Sinto o matraquear da calçada não adequada a tais devaneios.
Vejo os rostos preocupados.
Crispados,
de pensamentos pesados e velados, alheios.
As lojas vazias.
Os semáforos tristes e sem graça.
Os carros atarefados.
Alguns corpos suspensos e parados claramente sem saber para onde ir.
As esplanadas no meio do fumo.
Os passeios sujos.
As conversas sobre futebol.
Muita gente de auriculares a olhar para o chão.
Muita gente de fato com pasta,
Muita gente de fato sem pasta.
A empregada que insiste.
O talho que insiste.
Uma paisagem que não chega a ser triste.
Porque na verdade,
Na verdade,
Eu estou a caminhar sobre uma nuvem.
Eu estou a sobrevoar o oceano.
Eu estou a rasgar o vento por entre os picos do Evereste.
Na verdade se eu olhar bem:
Vejo o sorriso misterioso de quem acabou de amar a noite inteira;
Vejo a criança que se cola à mãe agradecida por esta lhe dedicar uma manhã inteira;
Vejo o merceeiro de bata que nos lembra que há um comércio justo por inteiro;
Vejo a nova loja verde que pendura manequins de outros tempos na varanda e onde todos querem ir.
Vejo o bar onde se ouve música bonita,
por entre duas cervejas e cerejas de conversas.
À noite vou lá,
e levo esta bicicleta.
Vejo os namorados que acabaram de se descobrir e que entre tremeliques deram as mãos.
Vejo a esperança de quem se dirige para uma nova entrevista de emprego.
Vejo quem acabou de conseguir um emprego com o ordenado mínimo e esboça um sorriso, mesmo que amarelo.
Vejo a recente mãe que passeia o bebé,
a pensar que provavelmente já perdeu o emprego.
Vejo o céu e os fios das nuvens de outono por entre as copas das árvores.
Vejo as pessoas que também estão a andar de bicicleta como eu.
Bom Dia!
Bom Dia!
Pressinto pela maresia o mar bem perto.
Uma paisagem a céu aberto.
E sinto a brisa e sinto os cabelos e o vento atrás de mim.
Neste país sempre à espera.
Neste país agarrado a uma vã quimera,
onde tanta gente desespera.
Um país que continua sem perceber
para que lado pedalar.


Ana Salgueiro, 22 de Setembro de 2015 – A bicicleta

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